sábado, 9 de julho de 2011

ENTREVISTA - JOSÉ SARNEY

                                                                                    Dirceu Ayres     

Fotos: Paulo de Araújo/CB/D.A Press "O PT está no governo e tem os instrumentos de governo, mas o PMDB é o partido da estabilidade nacional, porque não tem líderes. Não tem nenhum líder messiânico. Se tirar o Lula do PT, o partido se fragmenta, até porque é uma confederação de tendências” Personagem da política brasileira desde o último governo de Getúlio Vargas, o presidente do Senado, José Sarney, aos 81 anos, editou mais um decreto: "A democracia representativa está em xeque. Os partidos estão enfraquecidos e não representam mais o povo", disse, vislumbrando uma nova ordem em que o cidadão comum, a partir do próprio computador, fará as escolhas que hoje deixa a cargo de representantes no Parlamento. "Quem não perceber isso ficará preso no tempo." Sarney recebeu a reportagem do Correio em duas ocasiões. O primeiro encontro ocorreu na manhã da sexta-feira da semana passada, no gabinete do 6º andar do anexo I do Senado; o segundo, no início da noite da última terça-feira, na sala da Presidência da Casa. Sarney vaticinou a desestrutura do PT sem Lula, elogiou Dilma Rousseff, disse ser vítima de injustiças de adversários na política nacional e maranhense, e fotografou, com lente própria, a passagem pelo Planalto. Na primeira conversa, falou sobre a demissão de Antonio Palocci. Ao fim da entrevista, o senador apontou para a mesa onde estão os santos de devoção. Ali, repousava uma medalha de irmã Dulce. "Depois que transmiti a faixa presidencial, preparei-me para descer a rampa e ser vaiado por partidários de Collor e de Lula. Na saída, toquei na medalha de irmã Dulce que carregava no bolso, peguei um lenço branco que estava junto e acenei para o povo. Fui aplaudido. Para mim, aquele foi o primeiro milagre", lembrou, rindo. No segundo encontro com a reportagem, um dia antes da queda de Alfredo Nascimento no Ministério dos Transportes, Sarney disse que, se o agora ex-integrante do primeiro escalão de Dilma conseguisse se explicar, poderia permanecer no governo. Não conseguiu.Como é estar sempre no topo do poder? Sempre estive apanhando. Quando era estudante, fui preso pela ditadura Vargas. Fui contra o Getúlio. Depois procurei, dentro da UDN, ser de um grupo renovador. Também combati o Juscelino e até hoje me arrependo. Na época, era vice-líder da UDN, vice-líder do Carlos Lacerda. Estava na linha de frente do combate ao Juscelino. Eu era muito jovem. Fui contra o João Goulart. Tive tempo de oposição, eu tive tempo de luta dura. Não é esse mar de rosas que todo mundo pode pensar que é. O que significa estar no topo? Significa que você está exposto e disposto à luta.Qual foi o período mais cruel da política para o senhor?Muitas vezes, fui submetido a um período de injustiças muito grande. E de crueldade. São feridas que não cicatrizam. E que a política deixa na gente. Foi com grande amargura que eu atravessei aquele período no Senado (com as denúncias de atos secretos e privilégios na Casa ao longo do ano de 2009) e acho que foi uma das coisas mais injustas que vivi. Um pastel de vento que fizeram exclusivamente por motivos da guerra política para liquidar a pessoa que é tida como adversária. Eu serei sincero em dizer que não cicatrizou. E quem são os adversários?Quanto menos eu falar desse passado, melhor me sinto. Sarney guarda ódio na geladeira?Eu tenho absoluta incapacidade de ter ódio. Nunca tive inimigos. Nunca considerei as pessoas como adversárias. Não há um gesto meu, nem que eu tenha sido acusado, de eu ter erguido uma estátua à vingança. O ressentimento é contra a própria pessoa, porque ele cresce e a pessoa vive infeliz. A Academia Brasileira de Letras é mais importante do que a política? Olha, a Academia me deu mais alegria do que a PE o que seria o Sarney sem a política?Eu teria feito uma melhor obra do que escrevi. A política me prejudicou muito nisso, na minha vocação. A política é uma atividade bem diferente da atividade literária, não é? A política lida com a realidade, a literatura, com abstrações. É muito difícil essa convivência entre o político e o intelectual. Mas a política também me deu oportunidade de trabalhar pelo meu país, me sentir útil para o meu estado. O senhor acha que fez tudo pelo seu estado?Acho que nada que existe no Maranhão deixou de ter a minha mão, dos últimos 50 anos para cá. Porque, quando eu fui governador do Maranhão e entrei na política, o estado tinha um ginásio, no qual eu estudei. Fiz 74 ginásios. Meu programa era uma escola por dia, um ginásio por mês, uma faculdade por ano. Consegui, com o governo federal, fundar a universidade federal. Fiz a universidade estadual. Mantive o ramal da estrada de ferro de São Luís ligando até o Piauí. Fiz a São Luís-Teresina asfaltada. Como presidente, fiz de São Luís ao sul do estado, a Norte-Sul. Fiz também de São Luís ao Pará.residência. Minha vocação era a literatura. A política, para mim, foi um destino.

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